domingo, 18 de outubro de 2009

Imigração e Mudanças


De acordo com o Human Development Report 2009, a imigração resurge no mundo inteiro e as Nações Unidas pedem aos países ricos, que não se oponham aos ciclos migratórios de trabalhadores, em crescimento devido à crise económica.
"Os ursos não vieram porque não há gelo, não há gelo porque não há vento, e não há vento porque ofendemos os poderes", um Esquimó (Godfrey Lienhardt, Cap. II, Antropología Social, Fondo de cultura Económica, México, pp 62).

Ecuatorianos, colombianos, marroquinos, romaneses, indianos, ingleses, paquistaneses, chineses,  brasileiros...poderia continuar escrevendo uns trinta minutos sem parar e não conseguiria terminar de enunciar todas as nacionalidades que imigraram à Espanha nas últimas duas décadas. Há quinze anos, quando cheguei à famosa Barcelona das Olimpíadas de 1992, quase não se notava a presença de imigrantes. Atualmente, o metrô é o melhor índice migratório da Espanha; num mesmo vagão podemos escutar vários idiomas, ver diversas formas de indumentária, intuir diferentes modos de vida; a Espanha, antes emigrante, recebe agora os "filhos" ricos e pobres de um mundo globalizado. Já somos quase 10% da população de um país com uns 46 milhões de habitantes (censados) e isto requer modificações, e sobre tal, alguns exemplos:

Participação económica: a Espanha é "portão" europeu para a maioria dos imigrantes dos Estados Partes e dos Estados Associados do Mercosul. Para a sua população, as atuais facilidades de locomoção, de residencia e de trabalho entre os países integrantes do Mercado Comum do Sul não são tão prometedoras quanto a suposta excelente qualidade de vida do "1º mundo". Triste ilusão!
De acordo com Adecco, o perfil do imigrante na Catalunha é de homem Ibero-Americano de 26 a 35 anos, com formação escolar básica e que trabalha no setor industrial. Dentre estes estão os brasileiros advogados, estudantes, prostitutas, músicos, comerciantes, médicos, ladrões, escritores, etc, que de uma maneira legal ou fraudulenta conseguiram o cartão da residencia espanhola (o green card da Espanha).
As mudanças geradas por esta "invasão" estrangeira são nítidas e todas as pessoas que vivem na Espanha há mais de dez anos percebem o cambio, por exemplo a implantação da famosa economia informal (economía sumergida, em Espanhol), base de um vínculo empregatício irregular ou simplesmente a sua não existencia.

- A clase média passou a ter empregadas domésticas a tempo parcial (interina) ou a tempo total (fija), fato reservado à classe alta, devido ao preço da hora de trabalho ou do salário mensal. Antes, uma espanhola não se sujeitava (com raras exceções) a ganhar menos de 1.500 ou 2.000 Ptas. (antigas Pesetas) por hora de trabalho ou menos de umas 80.000 Ptas ao mes (aproximadamente, um salário mínimo). Atualmente, as mulheres imigrantes mantêm as casas espanholas impecavelmente limpas por uns 12 €uros/hora. Uma bagatela, se fazemos uma comparação com os valores de uma passagem de ónibus (1,50€), uma barra de pão (0,60€), um cafezinho (1,60€), um prato feito (12€), etc.


- A feroz concorrencia entre o comércio autóctono e as inúmeras lojas dos recém estabelecidos moradores imigrantes. Na área da alimentação, da confecção e de utensílios para o lar, por exemplo, sou testemunha de nove "fagocitoses" nos últimos 12 meses, e somente no meu bairro! Entro num pequeno mercado ao lado da minha casa e a fruteira comunica-se por mímica com os seus clientes, porque é chinesa e não conhece outro idioma. Vou ao cabeleleiro e ao meu lado estão aplicando um tratamento para cabelo afro. Pelo caminho de volta à casa passo pela frente de tres postos telefónicos (locutorios).

- A quantidade de alunos estrangeiros multiplicou-se por oito num período de dez anos! A minhas filhas, que nasceram na Espanha, vêem diariamente a chegada de um(a) novo(a) coleguinha na sala de aula. Um grupo de vinte e cinco alunos de sete nacionalidades diferentes. O sistema educativo está tentando adequar-se à nova realidade com a ajuda de psicólogos e mestres, porém nada pode conseguir sem a ajuda dos pais.
O tema Educação é crucial para a formação do futuro próximo da Espanha, porque a geração atual, composta por este "caldo cultural", será a classe adulta dentro de pouco. É realmente complicada a missão dos educadores espanhóis, frente aos desafios diários de lidar com alunos novos, com uma herança cultural distinta e às vezes literalmente oposta à sua.


- O tema Religião é, na minha humilde opinião, o mais pontiagudo. Penso que a Espanha é um país absolutamente aberto, adulto e com as condições necessárias para acolher os imigrantes de qualquer religião, porém há focos (poucos) de intolerancia, o que gera a formação de guetos. O Governo Espanhol revisa a Lei de Liberdade Religiosa para tentar adaptá-la à nova realidade. A Espanha passou de ser o berço da da Santa inquisição e do Nacional Catolicismo, a ter lugares de culto para as diversas religiões dos seus imigrantes.
Não estamos ao nível de Londres, ainda não vemos burkas ou kipás passeando pelas ruas, mas chegaremos lá!

- Outro grande cambio que notei desde que cheguei à Espanha: aumentou a criminalidade. Normalíssimo, se verificamos um incremento populacional de 10%, porém gostaria de frisar a "importação" de crimes e delitos, que antes não havia na terra espanhola, como por exemplo, o sequestro express.
A ANISTIA INTERNACIONAL acaba de publicar uma análise e as recomendações ao novo projeto de Lei Organica sobre a reforma da atual "Ley de Extranjería", que vale a pena ler.
Sinto-me tão segura como sempre! É óbvio, que não havia tantos roubos nas "Ramblas" de Barcelona, mas isto é o fruto de uma boa parte dos famosos 10%, que não encontram trabalho e preferem delinquir a sobreviver com a ajuda de ONG's ou do próprio Governo.

Recomendo bastante:
Sefarad, de Antonio Muñoz Molina
Kadosh, de Amos Gitai
A viagem do elefante, de José Saramago
As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano

Imagem fósforo de Creative Commons

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