segunda-feira, 23 de novembro de 2009

DÉJÀ VUE


When I was a little girl...escutei muitas vezes que o bom café produzido no Brasil era exportado, que os brasileiros realmente não conheciam o verdadeiro e maravilhoso café plantado no seu país, que o café consumido internamente era uma mistura do resto, do que literalmente sobrava das plantações não vendidas ao exterior. Vivi com este mito muitos anos e cada vez que sentava à mesa antes de ir à escola, pensava, enquanto tomava o meu canecão de café com leite e cuscuz, na injustiça do Governo de tirar o bom café da minha boca e ficava realmente revoltada de viver no país maior produtor mundial de café e ter que me resignar a tomar o "restinho" dos estrangeiros, mesmo sendo considerado o segundo maior mercado consumidor do mundo!
Agora, morando na Espanha, tenho un constante "déjà vue" das minhas idéias infantis sobre o café brasileiro. Por quê?


Porque a Espanha é o maior produtor europeu de alimentos ecológicos e biológicos, de acordo com os dados da Biocultura 2009, porém a maioria da sua produção é destinada ao grandes compradores, que estão situados, basicamente, na Europa Central e Setentrional, onde o consumo (e sobretudo a conscientização deste tipo de consumo) é maior.
A comparação é triste, porém é correta: Um espanhol gasta uma média de 6 €/ano, um suíço 115 €/ano e um alemão gasta 50 €/ano.
A diferença básica entre o café da minha infância e a cesta básica ecológica dos meus quarenta anos é que o Brasil tinha (e continua tendo) um consumo interno elevado, enquanto a Espanha tem um baixo consumo interno.


Enfim, termino e vou saborear um delicioso café genuinamente brasileiro na "cafetería" da esquina.


Recomendo bastante:
http://www.memorialdoimigrante.org.br/
Resumo das Normas de produção da Bio Suisse

domingo, 1 de novembro de 2009

IDENTIDADE NACIONAL?


"A Ibéria tem a forma duma pele de boi." Estrabão
"A Península Ibérica tem a forma duma jangada." Anónimo português in Jangada de Pedra, José Saramago

A Constituição Espanhola define a Espanha como um país plurilingue e com muitos dialetos, declara que «o Espanhol é a língua oficial do Estado» (Art. 3.1) y acrescenta que «As demais línguas espanholas serão também oficiais nas respectivas Comunidades autónomas de acordo com os seus Estatutos» (Art. 3.2).

Para entender esta diversidade linguística, basta ler a história da Península Ibérica e entenderá a origem, a formação e a evolução de todas as línguas atualmente utilizadas, de forma oficial ou não, pela sua população.

De forma oficial ou não? O que significa? Apenas quatro línguas são reconhecidas como oficiais: o Castelhano (língua nacional, oficial em todo o Estado), o Catalão (oficial na Catalunha), o Galego (oficial na Galícia) e o Euskera (oficial em Euskadi). As demais línguas, infelizmente não têm reconhecimento de co-oficiais, porém são utilizadas e respeitadas, inclusive pelo Instituto Cervantes.  As línguas não oficiais, ou dialetos, são diversos, como por exemplo, o Valenciano (em Valencia), o Aragonés, o Asturiano, o Andaluz, o Portugués, o Murciano, o Leonés, o Benasqués, o Canario, o Extremeño, o Baleárico.

Morando na Espanha, lembro-me bastante do tema da redação do meu Vestibular: "As diferenças regionais não excluem a identidade nacional".  Escrevi as linhas daquele tema maravilhoso com alegria, porque era fácil de argumentar, portanto citei, comprovei, utilizei um raciocínio lógico, sem repetições e sem divagações e penso que gostaram da minha dissertação; prova disto: 4º em Direito e 7º geral no Vestibular. Belos tempos aqueles...Imagino este mesmo tema na prova de "Selectividad" (Vestibular) aqui na Espanha; não tenho a certeza de que seria tão fácil, pois de todas as idéias que permeiam nosso pensamento, o  repertório pessoal de cada um depende de tudo o que lemos, vimos e ouvimos, e às vezes este dircurso pode estar meio "contaminado".

A riqueza cultural de uma população que tem a oportunidade de ser bilíngue, é imensa. Ir de um idioma ao outro, através de becos, esquinas e ruas estreitas da mistura idiomática, efeito normal do bilinguismo, é extremamente enriquecedor para quem fala e para quem escuta.  Esta Torre de Babel espanhola com herança íbera, grega, fenícia, árabe, visigoda, romana, etc, tem a base fundamental, a experiência para afrontar o presente, a nova torre construida com o cimento do tempo e com os andaimes da tolerância.

Difícil? Depende do grau de sociabilização da comunidade.

Dando exemplos:

1) Imaginem um carioca ter que ir morar temporariamente em Aracaju, por motivo de trabalho, e os seus filhos adolescentes não conseguirem entender o idioma na sala de aula.
2) Imaginem um mineiro, turista em Porto Alegre, ter que pedir uma cerveja  utilizando mímica.
3) Imaginem uma católica família cearense procurando os horários da missa em Português durante as férias na cidade de São Paulo.

Não é absurdo nem brincadeira, isto ocorre na Espanha.

Fui aprendendo com o passar do tempo, voltando ao famoso tema do meu Vestibular, que as diferenças regionais, às vezes, excluem a identidade nacional; tudo depende de que Nação estamos a falar. No caso da Espanha, há muitas nações dentro da grande Nação e todas elas com as suas respectivas idiossincrasias.


Recomendo bastante:

EL MAPA ESCONDIDO: LAS LENGUAS DE ESPAÑA, de Jesús Burgueño - Departamento de Geografía y Sociología Universitat de Lleida.

domingo, 18 de outubro de 2009

Imigração e Mudanças


De acordo com o Human Development Report 2009, a imigração resurge no mundo inteiro e as Nações Unidas pedem aos países ricos, que não se oponham aos ciclos migratórios de trabalhadores, em crescimento devido à crise económica.
"Os ursos não vieram porque não há gelo, não há gelo porque não há vento, e não há vento porque ofendemos os poderes", um Esquimó (Godfrey Lienhardt, Cap. II, Antropología Social, Fondo de cultura Económica, México, pp 62).

Ecuatorianos, colombianos, marroquinos, romaneses, indianos, ingleses, paquistaneses, chineses,  brasileiros...poderia continuar escrevendo uns trinta minutos sem parar e não conseguiria terminar de enunciar todas as nacionalidades que imigraram à Espanha nas últimas duas décadas. Há quinze anos, quando cheguei à famosa Barcelona das Olimpíadas de 1992, quase não se notava a presença de imigrantes. Atualmente, o metrô é o melhor índice migratório da Espanha; num mesmo vagão podemos escutar vários idiomas, ver diversas formas de indumentária, intuir diferentes modos de vida; a Espanha, antes emigrante, recebe agora os "filhos" ricos e pobres de um mundo globalizado. Já somos quase 10% da população de um país com uns 46 milhões de habitantes (censados) e isto requer modificações, e sobre tal, alguns exemplos:

Participação económica: a Espanha é "portão" europeu para a maioria dos imigrantes dos Estados Partes e dos Estados Associados do Mercosul. Para a sua população, as atuais facilidades de locomoção, de residencia e de trabalho entre os países integrantes do Mercado Comum do Sul não são tão prometedoras quanto a suposta excelente qualidade de vida do "1º mundo". Triste ilusão!
De acordo com Adecco, o perfil do imigrante na Catalunha é de homem Ibero-Americano de 26 a 35 anos, com formação escolar básica e que trabalha no setor industrial. Dentre estes estão os brasileiros advogados, estudantes, prostitutas, músicos, comerciantes, médicos, ladrões, escritores, etc, que de uma maneira legal ou fraudulenta conseguiram o cartão da residencia espanhola (o green card da Espanha).
As mudanças geradas por esta "invasão" estrangeira são nítidas e todas as pessoas que vivem na Espanha há mais de dez anos percebem o cambio, por exemplo a implantação da famosa economia informal (economía sumergida, em Espanhol), base de um vínculo empregatício irregular ou simplesmente a sua não existencia.

- A clase média passou a ter empregadas domésticas a tempo parcial (interina) ou a tempo total (fija), fato reservado à classe alta, devido ao preço da hora de trabalho ou do salário mensal. Antes, uma espanhola não se sujeitava (com raras exceções) a ganhar menos de 1.500 ou 2.000 Ptas. (antigas Pesetas) por hora de trabalho ou menos de umas 80.000 Ptas ao mes (aproximadamente, um salário mínimo). Atualmente, as mulheres imigrantes mantêm as casas espanholas impecavelmente limpas por uns 12 €uros/hora. Uma bagatela, se fazemos uma comparação com os valores de uma passagem de ónibus (1,50€), uma barra de pão (0,60€), um cafezinho (1,60€), um prato feito (12€), etc.


- A feroz concorrencia entre o comércio autóctono e as inúmeras lojas dos recém estabelecidos moradores imigrantes. Na área da alimentação, da confecção e de utensílios para o lar, por exemplo, sou testemunha de nove "fagocitoses" nos últimos 12 meses, e somente no meu bairro! Entro num pequeno mercado ao lado da minha casa e a fruteira comunica-se por mímica com os seus clientes, porque é chinesa e não conhece outro idioma. Vou ao cabeleleiro e ao meu lado estão aplicando um tratamento para cabelo afro. Pelo caminho de volta à casa passo pela frente de tres postos telefónicos (locutorios).

- A quantidade de alunos estrangeiros multiplicou-se por oito num período de dez anos! A minhas filhas, que nasceram na Espanha, vêem diariamente a chegada de um(a) novo(a) coleguinha na sala de aula. Um grupo de vinte e cinco alunos de sete nacionalidades diferentes. O sistema educativo está tentando adequar-se à nova realidade com a ajuda de psicólogos e mestres, porém nada pode conseguir sem a ajuda dos pais.
O tema Educação é crucial para a formação do futuro próximo da Espanha, porque a geração atual, composta por este "caldo cultural", será a classe adulta dentro de pouco. É realmente complicada a missão dos educadores espanhóis, frente aos desafios diários de lidar com alunos novos, com uma herança cultural distinta e às vezes literalmente oposta à sua.


- O tema Religião é, na minha humilde opinião, o mais pontiagudo. Penso que a Espanha é um país absolutamente aberto, adulto e com as condições necessárias para acolher os imigrantes de qualquer religião, porém há focos (poucos) de intolerancia, o que gera a formação de guetos. O Governo Espanhol revisa a Lei de Liberdade Religiosa para tentar adaptá-la à nova realidade. A Espanha passou de ser o berço da da Santa inquisição e do Nacional Catolicismo, a ter lugares de culto para as diversas religiões dos seus imigrantes.
Não estamos ao nível de Londres, ainda não vemos burkas ou kipás passeando pelas ruas, mas chegaremos lá!

- Outro grande cambio que notei desde que cheguei à Espanha: aumentou a criminalidade. Normalíssimo, se verificamos um incremento populacional de 10%, porém gostaria de frisar a "importação" de crimes e delitos, que antes não havia na terra espanhola, como por exemplo, o sequestro express.
A ANISTIA INTERNACIONAL acaba de publicar uma análise e as recomendações ao novo projeto de Lei Organica sobre a reforma da atual "Ley de Extranjería", que vale a pena ler.
Sinto-me tão segura como sempre! É óbvio, que não havia tantos roubos nas "Ramblas" de Barcelona, mas isto é o fruto de uma boa parte dos famosos 10%, que não encontram trabalho e preferem delinquir a sobreviver com a ajuda de ONG's ou do próprio Governo.

Recomendo bastante:
Sefarad, de Antonio Muñoz Molina
Kadosh, de Amos Gitai
A viagem do elefante, de José Saramago
As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano

Imagem fósforo de Creative Commons