sexta-feira, 1 de junho de 2018

Mamadou Gassama


O Mamadou Gassama é uma das 62.219 pessoas refugiadas que chegaram à Europa pelo Mar Mediterrâneo em 2017, das quais 1.689 estão mortas ou desaparecidas, de acordo com a IOM  (Organização Internacional para as Migrações). 
Mamadou fugiu de Mali, um país que sofre uma guerra civil há 6 anos e tem constantes ataques violentos de grupos armados.

Mamadou, fugindo, procurando refúgio, passou por Burkina Faso, país vizinho onde há 53.512 pessoas no campo de refugiados de Mberra e que somente nas últimas semanas, cerca de 3.000 pessoas fugiram pra lá, de acordo com a UNHCR.

Mamadou queria ir à Europa, encontrar refúgio, continuando a sua viagem passou também por Níger, outro país vizinho, onde as pessoas migrantes e refugiadas morrem de sede no deserto, são quase todas subsaarianas ansiosas por chegar à Europa, expulsas e extorquidas pelas máfias, que as deixam na estrada, no meio do nada, perdidas e sendo engolidas pela areia quente do Saara.

Mamadou queria chegar à Europa dos sonhos, mas tinha que passar pela Líbia, o país inferno para as pessoas refugiadas, e pior ainda depois que a União Europeia fez um pacto com a Turquia para acabar com o trânsito do refúgio em 2016 e conseguiu deslocar o caminho para a perigosa rota do Mediterrâneo central; rota na qual morreram e desapareceram 15.000 pessoas nos últimos 4 anos, segundo Médicos Sem Fronteira.
Na Líbia, as máfias tatuam números na pele das pessoas refugiadas, são escravas. As pessoas que querem embarcar da Líbia para a Itália passam por situações terríveis nas mãos das máfias. Quando são encontradas no mar, passam por torturas, abusos, sequestros, são vendidas nas praças públicas como escravas, e quase todas as mulheres que passaram pelo país, com destino à Europa, relatam ter sido estupradas.

Mamadou continuou a sua viagem, da Líbia foi para a Itália num barco, que seguramente triplicava o número normal de pessoas à bordo, e que foi perseguido pela Guarda Costeira da Líbia. Ele não sabe, mas a prioridade da Itália e de toda a União Europeia não é resgatá-lo, senão interceptar o seu barco e devolver todas as pessoas refugiadas à Líbia novamente, e para tal, utilizam a força dos barcos da Guarda Líbia para impedir, em pleno mar, a viagem das refugiadas. O Mamadou tampouco sabe que quando a Guarda Costeira Líbia encontra um barco de refugiadas à deriva, aproxima-se e exige que subam à bordo do seu navio, muitas vezes batem nas pessoas refugiadas com as grossas cordas do navio, jogam as refugiadas escada abaixo quando estão tentando subir à bordo (foi tudo gravado por uma ONG). 

Mamadou nem imagina que a União Europeia externaliza a sua política migratória e paga à Líbia e ao Marrocos para que façam esse trabalho sujo, para que ponham freio à entrada de pessoas refugiadas na Europa. A hipocrisia colonial sempre quis "tomar as rédeas" para "salvar" a África dos males que eles mesmos, os europeus, criaram. Neste sentido, nos últimos anos, a França interveio na Costa do Marfim, na República Centro-Africana, no Chade, no Djibuti, na Líbia, no Sudão, na Tunísia, no Egito e no Mali, este último, o país onde nasceu o Mamadou.

Mamadou conseguiu chegar à França e foi à Paris dos seus sonhos, mas caminhando pela cidade topou com a "calçada da vergonha", vários campos improvisados de pessoas refugiadas, na calçada, bem na frente da France Terre, umas das ONG que gerencia a acolhida de refugiadas (PADA). Centenas de pessoas da Somália, Eritreia, Etiópia, Sudão, Guiné, Chade, Burkina Faso, Líbia, Mali ... dormindo no chão, ao relento, durante muitos dias, até poder entrar no local para ter algum tipo de ajuda.

Mamadou não sabe que pode ser preso e deportado na União Europeia e pensa “Eu não sou um criminoso, não vão me tratar mal nem me prender!”, mas o que ele pode esperar de um dos principais países responsáveis pelos bombardeios na Síria, no Iêmen e em tantas outras regiões? O que ele pode esperar de um Estado que fumiga campos de refugiados (Calais), denega milhares de petições de asilo e proteção internacional nas suas fronteiras terrestres, que deixa crianças e grávidas refugiadas ao relento, que tem uma das políticas migratórias mais restritas da Europa?

Mamadou e todas as pessoas migrantes são heróis e heroínas por manter-se vivos após uma longa e terrível viagem, pulando cercas de 8m com arame farpado, cabos elétricos, mordidas de cães, cassetetes de policiais, prisões frias e sujas, sem ter papéis de residência ou nacionalidade, sofrendo violências físicas e psicológicas, privações de todo tipo e violações de direitos básicos, que sofrem diariamente na Europa. São heróis e heroínas, obrigados a ganhar a vida clandestinamente como vendedores ambulantes, empregadas domésticas, pedreiros, peões, babás, ... que tentam sobrevier nessa Europa onde cada dia cresce ranço racista, xenófobo e fascista.

Mamadou Gassama não precisa de que um senhor branco europeu lhe conceda uma medalha de herói por ter salvo uma criança. Ele já era um herói. 

HIPOCRISIA 

A França acaba de aprovar uma das mais rígidas leis dos últimos anos.
A nova lei de asilo e imigração do Executivo de Emmanuel Macron é um texto que certamente complicará a vida das pessoas refugiadas que procuram asilo, uma lei que endurece, ainda mais, a atual política migratória francesa.
O novo texto legal traz novidades desumanizantes, como por exemplo aumentar de 45 a 90 dias o período de prisão de imigrantes nos Centros Administrativos de Detenção (CRA), inclusive há a possibilidade de que crianças também sejam privadas de liberdade; reduzir de 120 para 90 dias o prazo para apresentar o pedido de asilo; reduzir de 11 para 6 meses o período de instrução e recurso dos processos, com o objetivo de acelerar a expulsão dos imigrantes; reforçar o “crime de solidariedade”, que julgará e multará à cidadania que ajude as pessoas imigrantes e/ou refugiadas; aumentar de 16 para 24 horas o período de retenção administrativa para verificar se uma pessoa tem uma autorização de residência na França; e outras mumunhas mais.

Ninguém é ilegal!

P.S.: o nome do Mamadou Gassama foi repetido diversas vezes no texto a propósito, porque a mídia em geral não o fez.